quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Os princípios do treinamento.

por Cláudio Quintanilha Siqueira



Quando buscamos melhorar a nossa qualidade de vida, a performance esportiva ou adquirir um melhor condicionamento físico aderimos a prática de atividades físicas. No entanto, alguns preceitos devem ser observados para que tiremos o máximo proveito dos exercícios sem, contudo, corrermos o risco de causar danos à saúde ou desperdiçar o nosso tempo em atividades que não trarão os benefícios desejados. No treinamento desportivo devem ser observados alguns princípios para que os estímulos sejam aplicados de forma correta, evitando a desmotivação e/ou danos físicos.


O professor Estélio Dantas (1998) destaca seis princípios do treinamento desportivo, os quais serão abordados individualmente, no entanto “a excelência só será atingida se houver a inter-relação perfeita entre todos estes saberes e respectivas aplicações...” (LUSSAC, 2008): O Princípio da Individualidade Biológica, O Princípio da Adaptação, O Princípio da Sobrecarga, O Princípio da Continuidade, O Princípio da Interdependência Volume-Intensidade e o Princípio da Especificidade (DANTAS, 1998).


Princípio da Individualidade Biológica
Cada um de nós é um ser único. Cada qual tem suas necessidades, suas limitações e potencialidades. Possuímos estruturas psicomotoras, afetivas e cognitivas individualizadas. Cada ser humano é a soma do seu genótipo – características genéticas recebidas, como por exemplo, a estatura, composição corporal, aptidões intelectuais, cor dos olhos etc – com o fenótipo – elementos adicionados ao indivíduo desde o nascimento, como habilidades esportivas, consumo máximo de oxigênio, nível intelectual etc. Segundo Dantas (1998) “os potenciais são determinados geneticamente, e que as capacidades ou habilidades expressas são decorrentes do fenótipo”.


Evidentemente as respostas advindas do treinamento serão diferentes para cada indivíduo, pois, se cada ser humano é único, ele necessita de treinamento personalizado visando a um melhor rendimento físico e desportivo.

Chiesa (2004) citando Hollmann & Hettinger (1983) destaca que “...o treinamento físico não melhora a capacidade de desempenho além daquele limite preestabelecido pelo genótipo”.

Princípio da Adaptação
A capacidade de adaptação é uma das características dos seres vivos. Sem essa capacidade muitas espécies não conseguiriam sobreviver e evoluir, inclusive os seres humanos. Para Tubino (1984) citado por Lussac (2008) o princípio da adaptação está intimamente ligado ao fenômeno do stress. Quando o organismo é estimulado aparecem mecanismos de compensação para responder a um aumento das necessidades fisiológicas para retornar ao equilíbrio homeostático que, de acordo com Dantas (1998), é o “estado de equilíbrio instável mantido entre os sistemas constitutivos do organismo vivo” e que pode ser rompido por fatores internos ou externos como: calor, frio, esforço físico, traumatismo etc. O mesmo autor diz que sempre que a homeostase é perturbada o organismo dispara um mecanismo de compensação para tentar restabelecer o equilíbrio, ou seja, para toda ação corresponde uma reação.

O stress ou Síndrome de Adaptação Geral (SAG) apresenta três fases (DANTAS, 1998):

1- Excitação: provoca uma reação de alarme no organismo. É a resposta inicial a um estímulo o qual não está adaptado.
2- Resistência: provoca adaptações ao estímulo aplicado.
3- Exaustão: nesta fase o organismo não responde mais positivamente aos estímulos, havendo uma queda do rendimento e o risco de lesões.
Lussac (2008) acredita que em termos de treinamento o critério adaptação pode ser estendido a vários outros fatores além do treinamento fisiológico propriamente dito e cita como exemplo as capacidades de adaptações emocionais e ambientais, entre outras.

O stress no treinamento é necessário, pois somente ele irá tirar o organismo de uma situação de equilíbrio, obrigando-o a reagir de maneira positiva para que haja melhorias no desempenho esportivo.


Princípio da Sobrecarga
“Imediatamente após a aplicação de uma carga de trabalho, há uma recuperação do organismo, visando restabelecer a homeostase”. (DANTAS, 1998).


Como foi dito anteriormente, quando a homeostase é perturbada o organismo reage, originando um mecanismo de compensação para tentar restabelecer o equilíbrio. Então, após a aplicação de uma sobrecarga, o organismo se prepara para receber uma sobrecarga semelhante ou maior futuramente. A aplicação de um novo estímulo (stress) deverá ser sempre maior do que o anterior para que o fenômeno da supercompensação – ou assimilação compensatória -seja aproveitada ao máximo a fim de aumentarmos o nosso nível de capacidade física. Mas, para que o organismo esteja em condições de receber um novo estímulo é necessário que haja um período de recuperação adequado, sem o qual não haverá a evolução desejável na capacidade física. O tempo necessário á recuperação, segundo Dantas (1998) é proporcional ao tipo e a intensidade da carga aplicada. Períodos muito curtos de descanso pode ocasionar o overtraining, produzindo uma queda do rendimento ou até mesmo lesões. Períodos muito longos de inatividade também ocasionam uma perda de rendimento, proporcional ao tempo de inatividade. Por isso é importante respeitarmos os limites do nosso corpo e observar as suas reações. Dores, cansaço excessivo, desânimo, sono etc podem ser sinais de que algo não está correndo conforme deveria.


O professor, o treinador ou o indivíduo auto-treinado deve ter sempre bom senso quanto à sobrecarga imposta ao corpo e respeitar as necessidades e limites do treinamento.


Princípio da Continuidade
Como o nome já sugere, para mantermos o nosso estado de treinamento devemos dar continuidade ao mesmo ao longo do tempo para que o organismo se adapte progressivamente.


Lussac (2008) concorda com Tubino (1984) quando este diz que “a condição atlética só pode ser conseguida após alguns anos seguidos de treinamento e, existe uma influência bastante significativa das preparações anteriores em qualquer esquema de treinamento”. Segundo o autor, para Tubino (1984) estas duas premissas explicam o chamado Princípio da Continuidade.


Como regra geral podemos dizer que “quanto mais longo o período de treinamento mais longo será o período de destreino” (Zatsiorsky, 1999, citado por Chiesa, 2004). E ainda que “toda aquisição que se ganha lentamente e em um tempo prolongado mantém-se com mais facilidade e perde-se com mais lentidão do que as aquisições conseguidas rapidamente e em um tempo curto”. (Barbanti, 1986, citado por Chiesa, 2004).


A continuidade do treinamento permite que se mantenham as importantes aquisições atléticas obtidas. “Em geral um atleta que tem um alto desempenho, com certeza teve uma continuidade ao longo de sua preparação, treinamento e também do aprendizado do esporte praticado” (LUSSAC, 2008).


Ainda segundo o autor “a continuidade é importante inclusive no treinamento amador e no lazer, e não somente no aspecto fisiológico, mas também, como por exemplo, no aspecto psicológico”.


Princípio da Interdependência Volume-Intensidade
Devemos entender “volume” como a quantidade de treinamento, caracterizada, segundo Chiesa (2004) “por toda mudança ou modificação relacionada ao número de repetições, número de exercícios, número de treinos diários e semanais”, expressando a quantidade total de carga de trabalho (quilômetros, número de repetições etc). O volume de treinamento tem lugar de destaque em alguns esportes de resistência como, por exemplo: maratona, triatlon, ciclismo etc.


A intensidade se caracteriza pelo tipo de carga aplicada (quilogramas, velocidade) e é reconhecida como a qualidade do treinamento. É inerente aos esportes de força (explosão muscular) e velocidade como, por exemplo: 100 m rasos, salto em altura, levantamento de peso etc.


Existe uma relação ótima entre o volume e a intensidade do treinamento. No entanto, nem sempre estas variáveis estão claramente visíveis e somente “um bom treinador consegue enxergar com maior clareza a relação de interdependência entre volume e intensidade de um treinamento...”. (LUSSAC, 2008).


Segundo Tubino (1984), citado por Lussac (2008): “Na maioria das vezes, o aumento dos estímulos de uma dessas duas variáveis é acompanhada da diminuição da abordagem em treinamento da outra”. Em outras palavras: quando se aumenta o volume diminui-se a intensidade e vice-versa.


Princípio da Especificidade
A aplicação de um estímulo de treinamento provoca sobre o organismo uma resposta específica relacionada diretamente à forma de exercício utilizado. Treinamento de força provoca adaptações sobre os mecanismos neuro-musculares, específicos das fibras musculares que foram solicitadas nos treinos. Contrariamente, os exercícios de resistência provocam adaptações musculares sobre as mitocôndrias e capilares para elevar a capacidade de gerar energia aeróbia. (CHIESA, 2004).


O treinamento deve ser realizado o mais próximo possível da realidade do esporte praticado. Assim, o ciclista, por exemplo, deve destinar a maior parte do seu treinamento realizando e aperfeiçoando a pedalada, o nadador deve nadar, o corredor correr etc. Todos os esportes devem fazer o mesmo, treinando os gestos e as técnicas próprias do esporte.


Parece óbvio que assim seja, mas, mesmo nas atividades com as mesmas características de movimento e sistema energético utilizados obtêm-se respostas diferentes. Segundo Zatsiorski (1999), citado por Chiesa (2004) “A transferência dos ganhos de treinamento pode diferir significativamente, mesmo em exercícios muito similares”.


Dantas (1998) define o princípio da especificidade como “aquele que impõe, como ponto essencial, que o treinamento deve ser montado sobre os requisitos específicos da performance desportiva, em termos de qualidade física interveniente, sistema energético preponderante, segmento corporal e coordenações psicomotoras utilizadas”.


Claro que o princípio da especificidade não exclui treinamentos complementares como por exemplo a musculação para nadadores, ciclistas, corredores etc. Atividades recreativas podem ser introduzidas ao treinamento nos períodos de recuperação, por exemplo, mas, “principalmente na fase próxima à competição - diz Dantas (1998) - o treinamento deve ser estritamente específico”.


Finalizando, esperamos que este artículo possa orientar aqueles que pretendem iniciar ou aprimorar os seus treinamentos, visando sempre a uma otimização da qualidade de vida através da manutenção da saúde e do bem estar físico e social.


Como o presente trabalho não tem como objetivo ser um manual de treinamento, mas apenas oferecer uma referência para nortear as ações do(a) praticante de atividades físicas, sejam atletas ou não atletas; sugerimos que um profissional de educação física seja sempre consultado para que possa orientá-lo(a) quanto às atividades que melhor se enquadram nas suas necessidades e anseios.


Um abraço e bons treinos.


REFERÊNCIAS
CHIESA, Luiz Carlos. Princípios do treinamento desportivo e da musculação. Revista virtual EFArtigos – Natal/RN – vol. 1, n° 22, 2004. Disponível em http://efartigos.atspace.org/fitness/artigo22.html. Data: 05/12/2008.


DANTAS, Estélio M. A prática da preparação física. Rio de Janeiro: Shape, 5ª ed., 1998.


LUSSAC, Ricardo Martins Porto. Os princípios do treinamento esportivo: conceitos, definições, possíveis aplicações e um possível novo olhar. Revista Digital – Buenos Aires – Ano 13, n° 121, 2008. Disponível em http://www.efdeportes.com/efd121/os-principios-do-treinamento-esportivo-conceitos-definicoes.htm. Data: 05/12/2008.

Nenhum comentário: